O casamento, o sócio e a Empresa

Quando uma pessoa se une à outra com o objetivo de conviver em união, isto é, partilhar ideiais comuns ou, como estabelece a lei, vivendo em uma “comunhão plena, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (artigo 1.511, do Código Civil), elas se casam nos termos da lei.

Com a edição do último Código Civil, vigente desde 2003, a união estável, antigamente chamada de concubinato, passou a ser prevista em lei e, “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (artigo 1.723, do Código Civil), passa a ter status de estado civil para ser declarado em atos da vida civil que tenham consequências jurídicas para o companheiro(a) com quem se convive.

Em 2011 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva, isto é, entre pessoas do mesmo sexo, permitindo a estas o mesmo reconhecimento contido no rol de direitos e deveres inerentes a união estável.

No que tange ao casamento em si, este ainda adstrito a união entre homem e mulher, há três regimes de bens legais: da comunhão universal, onde a regra é que todos os bens e direitos se comuniquem entre os cônjuges; da comunhão parcial de bens, onde a regra é que se comuniquem apenas os bens e direitos que sobrevierem ao casal na constância do casamento; e, por fim, da separação total de bens, onde a regra é que os bens e direitos dos cônjuges não se comuniquem, tendo estes autonomia para administrá-los individualmente.
Importante registrar que à união estável aplica-se a regra referente ao regime de comunhão parcial de bens.

Estabelecidos esses conceitos básicos e transpondo-os para o âmbito do direito empresarial, oportuno observar suas implicações e consequências no ambiente social da empresa.

Na grande maioria dos casos os sócios das empresas são pessoas naturais (físicas), as quais ao ingressarem em uma sociedade empresária deverão declarar seu estado civil devido às implicações patrimoniais que sua inclusão no quadro social da empresa pode trazer a seu (sua) cônjuge ou companheiro (a).

Desde 2003 com a edição do já referido Código Civil, não é possível que pessoas casadas pelo regime de comunhão universal ou de separação obrigatória ou legal de bens (que não se confunde com o regime de separação convencional de bens) contratem sociedade entre si.
Todavia, mesmo não sendo sócios entre si, a inclusão de um dos cônjuges ou companheiros(as) em uma sociedade empresária, implica em consequências à empresa, as quais têm relação direta com o regime de bens eleito pelo sócio em seu casamento ou como decorrência da convivência em união estável.

Tais consequências relacionam-se a duas situações distintas: separação/divórcio ou morte do sócio.
Se casado o sócio pelo regime de comunhão universal de bens, contratada a sociedade em qualquer momento da vida, ou mesmo pelo regime de comunhão parcial, aqui se incluindo aqueles que vivem sob o manto da união estável, com a sociedade contratada após a união, o cônjuge ou companheiro(a) terá direito a meação nas quotas da empresa em caso de separação/divórcio.
A chamada meação é o direito do ex-cônjuge ou companheiro(a) em dispor da metade da participação social das quotas sociais de seu respectivo ex-cônjuge ou companheiro(a).

Tal situação pode acarretar a inclusão forçada no quadro social da empresa do ex-cônjuge ou companheiro(a), acaso não preveja o contrato social solução diversa da usual.

É inquestionável o direito patrimonial do ex-cônjuge ou companheiro(a) meeiro à metade das quotas sociais. Todavia, igualmente é inquestionável que, sendo a empresa uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, intrínseco é o caráter pessoal da sociedade, sendo a affectio societatis ou afeição dos sócios, o principal motivo de sua união.

Desse modo, mecanismos podem ser eleitos no contrato social que prevejam o modo de aquisição das quotas do ex-cônjuge ou companheiro(a) pelos demais sócios, sem ferir-se qualquer direito, já que em hipótese última essa fração ideal do capital social poderia ser liquidada pela própria sociedade, diminuindo-se o capital correspondente e pagando-se a respectiva quota.
Mesma solução pode ser adotada no caso de falecimento do sócio e respectivos direitos à meação pelo cônjuge ou companheiro(a) e herança pelos filhos herdeiros.

Friso que tais soluções afetam às uniões firmadas nos regimes de comunhão universal de bens, contratada a sociedade em qualquer momento da vida, e de comunhão parcial, aqui se incluindo aqueles que vivem sob união estável, quando contratada a sociedade após a união.
Ferramentas como essas inseridas no âmbito do contrato social possuem origem e vinculação a um princípio maior e que norteou o legislador na redação do Livro do Direito de Empresa, inserido no contexto do Código Civil (2002) e da lei de falências (2005), chamado de princípio da preservação da empresa.

Sob a égide desse princípio, bem delineado no art. 47 da lei de falências e recuperações judiciais, deve haver um esforço contínuo das partes envolvidas no trato com a empresa, em preservar sua capacidade de gerar resultados para os sócios e para a comunidade de forma geral, “a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica” (BRASIL, 2005).

Além desses aspectos contratuais, outros mecanismos podem ser utilizados para preservação da harmonia social e da própria empresa, como acordos de sócios e acordos de família, bem como a criação de holdings patrimoniais, especialmente para o caso de empresas familiares com gestão familiar.

Bem trabalhados por meio de contratos e acordos com plena e eficaz validade entre os sócios, esses mecanismos podem prevenir litígios e dissabores entre os sócios e seus sucessores, contribuindo amplamente para a manutenção da atividade produtiva, incluídos aqui todos os deveres e direitos em que isso implica e, além disso, da fonte de receitas para a família.

André de Medeiros Larroyd
Julho/2015